A Direção Regional para a Promoção da Igualdade e Inclusão Social, em parceria com o Núcleo de Iniciativas de Prevenção e Combate à Violência Doméstica da Santa Casa da Misericórdia da Praia da Vitória, assinala o Dia Internacional para a Eliminação da Violência Contra as Mulheres que se comemora no dia 25 de novembro. Esta iniciativa regional pretende dar voz às pessoas vítimas de violência doméstica, através da divulgação em vários jornais da Região Autónoma dos Açores, dos seus testemunhos de histórias de superação, passando assim a importante mensagem a quem é vítima de que pode ultrapassar a situação e que esta pode acabar bem. Apresentamos abaixo um destes importantes testemunhos.
1) Lembra-se do motivo que levou ao seu acompanhamento pela Rede ou Pólo de Prevenção e Combate à Violência Doméstica? Quer partilhar connosco o que aconteceu?
Sempre fui vítima do meu ex-marido, desde o início do casamento. A violência começou uns 6 meses depois, quando a minha filha mais velha tinha 3 meses. Nunca tinha feito queixa ou pedido ajuda. Só iniciei o acompanhamento no Pólo Local de Prevenção e Combate à Violência Doméstica porque uma irmã minha pediu ajuda.
Ele bebia muito, era muito autoritário, sempre me impediu de ver a minha família e as agressões físicas tornaram-se recorrentes. Não havia um dia bom. Eu e as crianças vivíamos aterrorizadas sempre a pensar na hora que ele chegava a casa e do que estava reservado para aquele dia. Ele partia tudo em casa e batia-nos muito, chegou a empurrar o meu filho pelas escadas a baixo e já depois da separação foi lá a casa abrir a botija do gás para nos matar… a mim e aos filhos. Foram tantas que escreveria um livro para as descrever!
Graças a familiares e vizinhos começaram as queixas na CPCJ e depois no Polo. Todos ajudaram-nos a dar o primeiro passo.
2) De que forma a Rede ou o Pólo de Prevenção e Combate à Violência Doméstica o/a ajudou a lidar com este acontecimento da sua vida?
O apoio que recebi foi importantíssimo e fundamental para que eu conseguisse sair daquela situação de violência e gostava que todos soubessem que eles existem e podem fazer a diferença neste tipo de situações.
Ajudaram-me a sair de casa, fui para uma casa arrendada e ajudaram-me a que pudesse voltar para minha casa com os meus filhos. Andavam comigo para todo o lado e ajudaram-me a resolver todas aquelas burocracias que eu sozinha não sabia como fazer.
Fiz também as sessões do Psico-Educacional para vítimas que foram importantes. Éramos um grupo divertido e passámos bons momentos.
3) O processo de violência doméstica é, por si só, um processo complicado. Que dificuldades sentiu ao longo do mesmo? Como as ultrapassou?
Cresceu num ambiente familiar onde as cenas de violência não eram algo que acontece apenas aos outros. Vi a minha mãe ser espancada frequentemente pelo meu pai, que também era alcoólico. Separaram-se quando eu era ainda menor de idade, ficando minha mãe sozinha com 10 filhos. Apesar de ter vivido sempre assim nunca pensei em separar-me ou abandonar esta relação de casamento. Havia-me sido transmitido pela minha avó que o casamento era para toda a vida. Era necessário saber respeitar e aceitar independentemente do que acontecesse (...) até que a morte nos separasse.
O primeiro passo foi perceber que acabar com aquilo era possível e isso só aconteceu porque alguém fez queixa e todos os serviços me ajudaram. Não só o Pólo, mas a CPCJ, a Polícia e a Segurança Social. Foi muito difícil, eu estava sozinha, numa ilha sem apoio familiar, sem estudos, não tinha um trabalho certo e com 3 crianças! Se não fosse a ajuda destes serviços eu não tinha conseguido.
Ultrapassei tudo graças ao apoio que tive, mas também porque nunca me deixei ir abaixo. Sempre trabalhei e procurava ajudas para criar os meus 3 filhos, que sempre me deram força e, depois de crescerem, também começaram a trabalhar e sempre me apoiaram.
4) Sente que se tornou uma pessoa diferente ao longo deste processo? Que conquistas alcançou?
Sem dúvida. Antes do divórcio eu não podia fazer nada. Não podia cuidar de mim, não podia falar com ninguém, nem sequer trabalhar. Vivia todos os dias com medo e os meus filhos também.
Graças ao apoio que tive, consegui terminar esta relação e com isso eu conquistei tudo: a minha liberdade!
Comecei a trabalhar sem ter que faltar ou me despedir sempre que ele causava problemas ou tinha ataques de ciúmes, posso comprar cremes e perfumes sem que ele os parta todos, posso sair para uma festa, posso ir dar um passeio com os meus filhos ou amigos, tenho o meu dinheiro… sou uma pessoa independente que não tem de dar satisfações a homem nenhum.
Depois do divórcio ele ainda tentou entrar várias vezes em casa e escondia-se. Eu sonhava muito com tudo! Parecia que sentia o cheiro a álcool e a respiração dele na cama. Vivia muito assustada! Mas passados alguns anos fui começando a esquecer e vivo mais descansada, apesar de ainda de vez em quando espreitar para debaixo da cama para ver se ele lá está.
5) Que objetivos tem para o seu futuro?
Para o futuro só quero paz! Quero distância dele e continuar a minha vida. Tenho os meus filhos, a minha casa e o meu trabalho e isso é o suficiente.
6) A violência doméstica continua a ser uma realidade que afeta muitas pessoas. Que conselho daria a quem esteja a vivenciar uma situação destas?
Aconselho a procura de ajuda e o recurso aos serviços existentes que agora são muitos mais do que no meu tempo. Estes podem apoiar a vários níveis como habitação, apoio económico, aconselhamento, acompanhamento, etc.
Ainda hoje me lembro de todas as pessoas que neles trabalham… sinto uma amizade e uma enorme gratidão.
Se tiver conhecimento de alguma situação de violência doméstica contacte a Linha Regional Contra a Violência Doméstica (800 27 28 29).